Depressão: Esta noite não!

Gualberto Gouvêia, Psicanalista

14 de setembro de 2017

Vivemos em tempos em que os mais frágeis, socialmente falando, se refugiam em Deus. O Estado, como garantidor de condições mínimas de sobrevivência, foi tomado de assalto pelo mercado. As grandes corporações determinam hoje o rumo das políticas nada sociais. Os remediados tentam sobreviver e os mais ricos vivem com gozo. A crise não é para todos, mas é para a maioria.

Essa crise parece estar em todos os lugares: na educação, nas ideologias, nos partidos, no Judiciário. Refugiamo-nos nas tribos, nos pequenos grupos e nos distanciamos da comunidade maior em que o outro, o dessemelhante, não merece solidariedade ou empatia. Ele é apenas mais um competidor. Com o alheamento comunitário, nos refugiamos no individualismo. Com a aceleração dos tempos, nos refugiamos na excitação contínua.
Bauman chama este período de “modernidade líquida”, mas, antes dele, Marx já dizia que, no Capitalismo, “tudo que é sólido se desmancha no ar”. Assim, esgotados pela conectividade constante, pelas incertezas que o trabalho precário nos apresenta, somos tomados pela angústia do que virá. O que se apresentará ao dobrarmos a esquina?

Tristeza do Velho Homem

Vicent van Gogh

O cantor Lobão, com sua música Esta Noite Não, soube captar esse sentimento acertadamente chamado de “indizível”. Como nominar o que não sabemos? Diante de tantas incertezas, muitos afirmam que a depressão é o mal da contemporaneidade. O autor da canção demonstra estar ciente disso e, sabedor dos riscos desse mal, implora para que, “pelo menos esta noite”, aquele que está tomado por esse sentimento que oprime “não tente se matar”. Se a crise não é para todas as classes, a depressão sim.
Com a letra dessa música, O cantor se aproxima de Sherazade das Mil e Uma Noites, que usou do artifício de contar histórias para garantir que não morreria ao fim de uma noite, quebrando o círculo vicioso de morte das esposas do sultão traído. Garantiu, assim, não uma noite apenas, mas mil e uma. Lobão também parece querer adiar indefinidamente o dia final, esperando, dessa forma, que a vida ganhe sentido e possibilite ao acometido por depressão muitas e muitas noites mais. Ou seja, sua música é um convite para a vida enquanto ela não se dissolve no ar…

O indefinível

Para saber mais: O demônio do Meio-dia: Uma anatomia da depressão. Andrew Solomon, Cia das Letras, 2016.