Indicação de Livro

Vermelho 

Poético

Gualberto Gouvêia, Psicanalista

07 de Julho 2017

Vermelho Amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós, é um livro no qual o fio condutor é um tomate, que ganha contornos épicos na história e está sempre presente. Trata-se de um livro biográfico incomum. Um garoto assiste a tudo o que se passa no cotidiano. Sem a mãe, prematuramente morta, a vê ser substituída por uma madrasta desatenta ao que acontecia ao redor. O pai, sempre bêbado, não está disponível para os filhos. Assim, o menino vai desenvolvendo sua capacidade de observar tudo à sua volta.

O tomate é a sua principal referência, quase uma ampulheta, que determina o tempo e faz a marcação dos eventos. A forma do corte do tomate varia entre a quase transparência, quando toda a família está presente à mesa, e a densidade espessa, quando os familiares vão se distanciando e as cadeiras começam a sobrar.

O livro é em prosa poética. Aí, reside o melhor da obra. A delicadeza com que é tratada a ausência da mãe torna a tristeza mais suportável. “Exige-se longo tempo e paciência para enterrar uma ausência. Aquele que se foi ocupa todos os vazios”. O autor revela uma memória que se preenche da falta, do não dito, mas repleta de sentimento.

A palavra, para o autor, ganha uma gramática de sentimentos caleidoscópicos que revela e esconde. “Toda palavra é espelho, onde o refletido me interroga”. A palavra, cheia de significados, preenche cada página de significantes múltiplos e nos leva à mesa na qual o tomate é servido. Quase podemos sentir seu gosto, perceber sua cor rubra.

Os irmãos se vão, um a um. E o garoto, em determinado momento, também se vai. O tomate permanece.

Vermelho Amargo
Bartolomeu Campos de Queirós

São Paulo, Ed. Global, 2017

Vermelho Amargo é um livro para ser saboreado, lido com um lápis na mão. Serão muitas as passagens a serem marcadas para posterior reflexão. Não se esgota na leitura. Assim como o tomate, que se encorpa pela ausência dos outros, o livro se encorpa ao final da leitura porque permanece vivo.

As nossas lembranças são parte de nós. O que vivemos constitui o solo de nossa existência. Com o tempo, percebemos que um cheiro, uma palavra, um som, trazem em si muito mais que as palavras que os contêm. Trazem o indizível que só a subjetividade consegue dar contornos de entendimento.

A faca corta o tomate. O livro corta a carne feito faca. Como dizia Belchior.