Green Book: uma dimensão do desconhecido
Green Book
Uma dimensão do desconhecido
Gabriela Garcia, Psicanalista
12 de março de 2018
Em “Green Book – O Guia”, um homem negro e um homem branco são confrontados pelo desafio de conviver de perto na região Sul dos Estados Unidos, em uma época em que a segregação racial era amparada pela força da lei. O roteiro não é surpreendente, mas ainda assim interessante.
Em um contexto marcado pelo afastamento ou negação do desconhecido, a fantasia sobre o outro torna-se enorme, nebulosa e até paralisante. No filme, conforme os personagens principais se aproximam – e experimentam um relacionamento real e não idealizado – , os fantasmas psíquicos se transformam e novas possibilidades se abrem.
A experiência nos ensina que quanto mais distante um objeto está do nosso campo visual, menor ele parece. Um navio transatlântico em alto mar, visto da praia, pode adquirir as proporções de um barquinho de brinquedo. Quanto mais nos aproximamos dele, maior ele se apresenta aos nossos olhos, até o ponto em que será impossível enxergá-lo por inteiro. O olhar subjetivo que desenvolvemos para perceber e interpretar o mundo, porém, pode atuar de modo diametralmente oposto ao da visão humana.
É o que acontece com as situações que nos causam medo (como a vivida pelos protagonistas do filme, que se defrontam com o medo do desconhecido). Quanto mais distantes essas situações estão da nossa consciência – ou seja, quanto mais longe estão de uma percepção elaborada simbolicamente –, maiores e mais assustadoras elas podem parecer. Por outro lado, o medo (de viajar de avião, de falar em público ou qualquer outro) pode diminuir por meio de abordagens terapêuticas que lhe confiram contornos mais reais e menos fantasiosos.
Cena do filme “Green Book”
Uma angústia que corajosamente aceitamos abraçar (perceber, falar, ouvir, acolher e pensar sobre ela) fica mais suportável e tem chance até de se tornar uma força criativa. À medida que nos aproximamos da angústia, que passamos a expressá-la, localizá-la dentro de uma narrativa e a compreendê-la, ela tende a ficar menor (e não maior, como acontece com a visão humana mediante a aproximação do objeto).
É importante frisar a palavra “tende” porque em processos subjetivos e singulares, não há uma direção única e contínua. Em alguns momentos, a angústia percebida pode se tornar mais assustadora para, depois, então, refluir, cessar, voltar… É o balanço da vida, movido pelo modo como manejamos as distâncias psíquicas que nos separam e nos aproximam do mundo.
Green Book – O Guia (Green Book, título original), Estados Unidos, 2019, dirigido por Peter Farrelly.
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