Suzano e a falta de sentido: Quando a violência obtura a falta
Suzano e a falta de sentido
Quando a violência obtura a falta
Gabriela Garcia, Psicanalista
13 de maio de 2019
Tragédias como a de Suzano1 nos aterrorizam de várias formas e uma delas é pela aparente falta de sentido. Diante da notícia de alunos e professores mortos por ex-alunos, sentimos tristeza, dor, raiva, medo, mas também uma profunda perplexidade pelo enigma possivelmente indecifrável que cerca esse tipo de acontecimento. Por quê? Para quê? Em nome de ou contra quem? Até quando?
Um caminho para refletir sobre Suzano passa pela importância da construção de sentido. Ao longo da vida, tecemos uma narrativa pessoal que busca organizar simbolicamente nossas experiências. Exemplo: nossa opinião sobre um relacionamento ou um emprego descreve não apenas essas vivências, mas também conta sobre quem somos. O entendimento (maior ou menor) que alcançamos sobre nós mesmos e sobre o mundo nos ajuda a lidar com os desafios da vida.
A elaboração da narrativa pessoal envolve a capacidade de percepção e de compreensão da nossa realidade interna e externa. Percebemos e compreendemos a existência, criando significados para ela, por meio das relações (conosco e com os outros). A história dos autores do crime de Suzano indica um cenário de alienação de vínculos importantes (família e escola) para a construção de sentido.
O ambiente familiar – o modo como vemos e somos vistos nessa teia de relações primordial – pode favorecer ou prejudicar o reconhecimento e o enriquecimento da singularidade que podemos vir a ser. O olhar ausente ou depreciativo dos primeiros cuidadores empobrece (e eventualmente anula) a visão que a criança tem de si mesma. Da mesma forma, o ambiente escolar e todas as possibilidades de troca e aprendizado que ele oferece (ou não), favorece ou prejudica a auto-imagem, os relacionamentos, as expectativas e o desempenho do aluno.
O bullying não visto e não enfrentado é uma zona de intersecção ilustrativa. Ele pode não ser a motivação principal nem única de ataques como o de Suzano (uma compreensão multifatorial é mais apropriada), porém é um elemento revelador da ausência de sentido.
Foto postada no Facebook pouco antes do massacre
O abuso não percebido e/ou não elaborado aniquila não apenas seu próprio sentido como o sentido que poderia ser atribuído à família e à escola (vínculo, proteção, estímulo, atenção, carinho, pertencimento). Uma vivência para a qual não encontramos significado (porque nada sobre ela foi dito, pensado e cuidado) ou para qual encontramos um significado insuportável, poderá ser ressignificada futuramente. A arte, os sonhos, os delírios, as doenças e a violência são caminhos potentes de ressignificação.
No ato planejado e extremo de eliminar vidas, o sentido pode ter sido construído por meio da violência, que carrega uma mensagem explícita de poder, controle, superioridade, em oposição à vulnerabilidade, confusão e impotência causadas pelo bullying não visto e/ou não cuidado.
Os autores de Suzano possivelmente viveram com a família e a escola os sentimentos destrutivos que reproduziram de modo letal. Uma hipótese é de que tenham criado, enfim, um significado (lamentável e repudiável) para narrativas pessoais esvaziadas justamente pelas relações que poderiam ajudá-los na construção de sentido.
(1) No dia 13/03/2019, dois jovens mataram 8 pessoas, feriram 11 e, em seguida, se suicidaram, num ataque à escola Raul Brasil, onde haviam estudado, na cidade de Suzano (SP).
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